A grandeza dos números da OTA e do TGV [com adenda]

[Adenda: Acabei de ler o artigo de Miguel Sousa Tavares, «Delírios de rico em terra de pobres», no Público, e que deve ser lido em conjunto com este post]. A governação socialista repete com frequência que não cultiva uma visão economicista, e que o mais importante é olhar pelas pessoas. Quando vejo, contudo, aquilo que são as iniciativas governamentais, é com tristeza que constato que o país não consegue sair da política do betão. Aeroportos, pontes, auto-estradas, comboios de alta velocidade, ónus financeiros que representam, para cada cidadão, uma factura individual de milhares de euros. Será esta a melhor forma de cuidar das pessoas? Dez mil milhões de euros. Numa primeira estimativa grosseira, é quanto custa esta nova política de betão do governo de José Sócrates. Importa notar que ainda não estão quantificados, por exemplo, muitos dos custos associados às infraestruturas de acesso ao aeroporto. Para quem este número é algo de incompreensível, posso dizer-vos que se a EDP fosse totalmente pública, e o Estado a vendesse ao actual preço de mercado (à cotação de hoje), o produto da venda não seria suficiente para financiar a TGV e a OTA ; a preços de hoje, se o BCP e a SONAE – duas das maiores empresas portuguesas – fossem nacionalizadas e vendidas em bolsa, o produto da venda não seria suficiente para financiar a TGV e a OTA. Os recursos públicos são de todos nós, e a canalização deste montante tão elevado para obras com estas características têm um óbvio custo de oportunidade; ao optarmos pela OTA e pelo TGV, prescindimos de: 100 mil bolsas de investigação no montante excelente de 100 mil euros cada; ou 100 pólos tecnológicos de 100 milhões de euros cada; ou 10 novos hospitais centrais universitários de mil milhões de euros cada. A ordem de grandeza é impressionante; o montante a despender com a OTA e com o TGV é próximo da totalidade de receita corrente que o Estado arrecadou o ano passado em impostos directos (valores oficiais da receita fiscal de 2004). A OTA e o TGV representam uma factura de mil euros para cada português. Mil euros. Duzentos contos, em moeda antiga. Numa família com dois filhos, oitocentos contos. Duzentos contos por reformado. Quatrocentos contos para um casal de Bragança e Faro. Mil contos para cada família típica minhota. A OTA e o TGV podem ser imprescindíveis, auto-sustentáveis, investimentos reprodutivos, essenciais para o nosso futuro; agora, projectos desta magnitude, e com este impacto na vida de cada um de nós, têm de ser devidamente apresentados aos portugueses, com total transparência e exaustiva fundamentação; e, se o seu impacto ultrapassa esta legislatura, eventualmente referendados. Não posso aceitar pacificamente que algo que só começará a ter peso no Orçamento em 2013, seja decidido hoje, por um governo que nunca sofrerá as consequências políticas dos seus actos, decidido com base em apresentações faraónicas mas sem conteúdo informativo esclarecedor. Capitalização bolsista: BCP (6.775 milhões de euros) Sonae SGPS (2.980 milhões de euros) EDP (9.288 milhões de euros) Receitas correntes - exercício de 2004: Impostos Directos (11.308 milhões de euros) Impostos Indirectos: (17.074 milhões de euros) Eu sei que esta é uma comparação simplista. Mas visa, no fundo, apresentar a ordem de grandeza daquilo que está em questão na OTA e no TGV; é que, por vezes, a multiplicação dos zeros impede que consigamos ter consciência do que está em causa. Rodrigo Adão da Fonseca

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