Um desígnio geopolítico para o Porto: A instabilidade do contexto geopolítico

No Portu­gal «pluricontinental» da era salazarista, o Porto não ti­­nha lugar. Com a revolução, ganhou espaço próprio: passou a ser o re­­du­to da ini­­cia­ti­va pri­vada, dos valores liberais e conservadores, de uma tí­mi­da so­cie­da­de ci­vil. Já com a integração euro­peia, a liberalização impôs-se a to­do o ter­ri­tó­rio e o Porto perdeu causas e bandeiras, mas ainda assim engen­drou um pro­jec­to. O projec­to de se converter numa cidade mé­dia da Europa dos do­ze, de cons­ti­tuir com o Norte e a Galiza uma «euro-re­gião», de de­se­­nhar até à Flan­­dres um «arco atlân­tico». Foi a era do «Porto, ca­pi­tal do no­roes­te pe­nin­­sular». Com o alargamento consu­ma­do, o caso e o projec­to mu­dam de figu­ra. Os efeitos geopolíticos das novas fronteiras da União po­dem sin­te­ti­zar-se numa sentença la­­pi­dar: Bruxelas está mais longe, Madrid fica mais per­to. O alar­­­gamento, sem a institu­cio­­na­li­za­ção de um mo­de­lo federal que pro­teja os Estados pequenos e mé­dios, impõe, quase irresis­ti­velmente, uma «re­gio­­na­li­za­­ção» do po­der na Europa. Criam-se, pois, as condições externas que refor­çam uma di­nâ­mi­ca em franco curso: a de uma mais apertada integra­ção ibé­­ri­ca. Es­ta integração «pre­ferencial e ace­le­rada» nada tem de ori­ginal; foi já en­­saia­­da nos alvores da CEE com o Benelux. Experiência que, visando con­tra­­ba­­lan­çar o es­tatuto de três pequenos Estados junto de três «gigantes», con­su­bs­­­tan­cia um caso de su­ces­so, por nun­ca ter pos­to em causa as respectivas iden­tidades e ideos­sincrasias. Numa palavra, a jan­ga­da de pedra liberta-se, não rumo ao Atlân­tico, mas em direcção aos Urais. Eis um desafio – o de uma maior inte­gra­ção ibérica, o da construção de um «Ibe­rolux» – que al­tera os pro­gra­mas de ci­da­des como o Porto ou Lisboa. A instabilidade do contexto geopolítico explica pois, em grande parte, a dificul­da­de em discernir um projecto para a rede de cidades do Porto. É principal­men­te no con­tex­to penin­sular que tudo o que é ainda «espacial» ago­ra se jo­ga.
Paulo Rangel (Público, 18 de Janeiro de 2006)
Rodrigo Adão da Fonseca

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