Taxas moderadoras ou co-pagamentos?

Caro Paulo Gorjão, Pedro Santana Lopes lançou o debate sobre a introdução de co-pagamentos sem backround, não tendo efectuado previamente um estudo concreto sobre as taxas moderadoras em Portugal que lhe permitisse actuar sobre o real com eficácia. Admito que a intenção fosse boa, e que se pretendesse posteriormente dar sequência às ideias lançadas de forma sustentada, caso houvesse estabilidade governativa. Só que ela não existiu.
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O que define se estamos perante um co-pagamento ou uma taxa moderadora reside essencialmente nos valores que se cobram; ora, Santana chegou a aventar números na ordem dos cinquenta euros, pese embora nunca tenha desenhado mais do que algumas ideas vagas sobre a matéria, ao ponto do próprio Ministro da Saúde à época, Luis Filipe Pereira, ter subtilmente, esclarecido que o âmbito das alterações a efectuar estaria ainda em estudo. Aparentemente, Santana terá "acelerado" os timings do anúncio das medidas projectadas. Do que se percebeu, este modelo previa uma discriminação das taxas em função dos rendimentos, tentando garantir a progressividade no momento da cobrança, e não apenas por via fiscal.
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Correia de Campos está agora a relançar o debate, depois de ter constituído uma comissão independente (liderada por alguns dos maiores especialistas em Portugal sobre a matéria, de reputação insuspeita, como Pedro Pita Barros, Miguel Gouveia ou João Pereira) onde os aspectos relacionados com o financiamento estão a ser objecto de apreciação. O resultado deste estudo ainda não é público, mas deverá ser apresentado ainda este ano.
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A discussão pública está desde logo enviesada porque a população em geral não tem noção de quanto custa ao Estado os tratamentos de que beneficiam. Por exemplo, uma taxa que 1) isenta a maioria da população e que 2) representa um valor ínfimo do custo total do serviço prestado pode ser considerado um co-pagamento, ou tem uma natureza moderadora? Uma taxa de internamento de 5 euros por dia, que representa um valor inferior a 3% do custo de uma diária, tem como objectivo sensibilizar as pessoas para os encargos, assumindo uma natureza moderadora, ou, pelo contrário, traduz-se num "co-pagamento"? E faz sentido criar uma burocracia para que estas taxas sejam elas próprias progressivas? Ou a progressividade faz-se por via fiscal?
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No contexto do actual sistema, considero que seria útil proceder-se à facturação dos serviços prestados nos hospitais (embora suportada pelo Estado) e à criação de uma conta-corrente por utente do SNS. Desta forma, os cidadãos teriam uma maior consciência do benefício obtido e do preço exorbitante da saúde que lhes é prestada. Esta solução apresenta ainda outras vantagens, em termos de benchmarking hospitalar e de detecção de consumos abusivos.
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Convido-te a analisar os valores que constam da Portaria que regula os preços das taxas moderadoras e respectivas isenções; tenta projectar o custo real do serviço que lhe está associado; avalia se é possível atingir-se uma função moderadora com valores inferiores. E depois diz-me se toda esta discussão faz sentido. E se achares que faz, explica-me em que preços consideras que o valor cobrado é excessivo, perdendo a sua natureza moderadora. Os novos valores poderão ser mais onerosos, mas os aumentos propostos permanecem marginais face ao custo real. Rodrigo Adão da Fonseca PS: Como poderás imaginar, eu estou longe de ser um adepto do SNS. Agora, no actual contexto constitucional e face ao que é o consenso alargado que existe sobre o nosso modelo, discutir outras soluções é "pregar aos peixes". PS: Enquanto governante, Santana falou antes do tempo; sem elementos; atirou para o ar números sem nexo, que distorciam a natureza moderadora das taxas; e defendeu algo que apenas burocratiza (progressividade na cobrança); colocando em maus lençois e no perímetro da crítica um dos seus melhores ministros, Luis Filipe Pereira. Tentou ontem na SIC Notícias nivelar uma discussão que é substancialmente, nos seus termos, diferente. A "revisão da história" protagonizada ontem por Santana Lopes apenas é possível porque somos um país sem memória, com preguiça em analisar a fundo as medidas e o seu contexto político, para lá do mero sound byte mediático.

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