Notas Soltas sobre Liberalismo e Catolicismo
No blogue "5 dias", o António Figueira surpreende-se com a constatação do Pedro Arroja no Blasfémias, quando este afirma que "[o] liberalismo é um produto do catolicismo".Para Friedrich A. Hayek, os princípios teóricos da economia de mercado, assim como os elementos básicos do liberalismo económico, não foram concebidos, como geralmente se acredita, pelos calvinistas e protestantes escoceses, sendo que, pelo contrário, são o resultado do esforço doutrinário empreendido pelos dominicanos e jesuítas membros da Escola de Salamanca durante o Século de Ouro espanhol (Hayek, 1988: 288-289). Hayek chegou mesmo ao extremo de citar dois dos nossos escolásticos, Luís de Molina e Juan de Lugo, no seu discurso de aceitação do Prémio Nobel da Economia em 1974 (Hayek, 1976c: 19-20). Este economista austríaco começou a convencer-se da origem católica e espanhola da análise económica austríaca a partir dos anos cinquenta, graças à influência do professor italiano Bruno Leoni. Leoni convenceu Hayek de que as raízes da concepção dinâmica e subjectivista da economia eram de origem continental e de que, portanto, deveriam procurar-se na Europa mediterrânica e na tradição grega, romana e tomista, mais do que na tradição dos filósofos escoceses do século XVIII (Leoni, 1995: 95-112). Além disso, Hayek teve a sorte de, durante esses anos, ter uma das suas melhores alunas, Marjorie Grice-Hutchinson, que se especializara em latim e literatura espanhola, levando a cabo, sob a orientação de Hayek, um trabalho de investigação sobre as contribuições dos escolásticos espanhóis no âmbito da economia, trabalho esse que, com o tempo, se converteu num pequeno clássico (Grice-Hutchinson, 1952, 1982 e 1995).
Huerta de Soto, "Escola Austriaca - Mercado e Criatividade Empresarial", Edição portuguesa da Espírito das Leis, disponível on-line, aqui, no sítio da Causa Liberal.
Recomenda-se, assim, a quem tenha interesse na matéria, a leitura completa dos capítulos 3.2. ("Os escolásticos do Século de Ouro espanhol como precursores da Escola Austríaca") e 3.3. ("A decadência da tradição escolástica e a influência negativa de Adam Smith") da obra acima citada (Huerta de Soto, "Escola Austriaca - Mercado e Criatividade Empresarial", Edição portuguesa da Espírito das Leis), dos textos do Rui de Albuquerque "Juan de Mariana: um «libertarian» na igreja romana" e "l'affaire mariana", compilados e disponíveis, aqui, no sítio da Causa Liberal e, bem assim (novamente), o livro do André Azevedo Alves, Ordem, Liberdade e Estado, na Parte 1 do capítulo 2.1.
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Ler dá algum trabalho, mas permite evitar que se façam figuras como esta; pois, concordando-se ou não, a tese que defende a existência de uma influência católica (ou, mais ainda, como se lê em Hayek, de uma origem continental do liberalismo), tem o seu espaço no debate académico, não sendo sequer um tópico recente (faz-se notar que Hayek não seria, tanto quanto se sabe, nem católico nem sequer crente); estranha-se, por isso, que o António Figueira a considere risível, ao ponto de considerar Pedro Arroja, por esta simples frase, "um comediante à solta", que, pelos vistos, "os faz rir a todos" (imagino que, na retórica proto-socialista, "todos" signifique, "os meus").
Rodrigo Adão da Fonseca
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