Antonio Negri: o camaleão do marxismo à italiana - I
Antonio Negri esteve em Portugal. Filósofo de «profissão», Negri é desde os anos 60 um dos pensadores e dirigentes mais activos da chamada nova esquerda italiana, militante e inspirador de centenas de grupos políticos de raiz marxista e «operária».
António Guerreiro, na revista Actual (Expresso de ontem), entrevista Antonio Negri, apresentando-o de uma forma no mínimo curiosa, como «um criador de conceitos, com os quais procede à análise da nova ordem do mundo e reinventa um pensamento crítico que arrisca aventurar-se na reconstituição de uma linguagem política».
De facto, se há traço da personalidade que caracteriza Negri é esta procura constante de reinventar o marxismo: desde 1966, momento em que acompanha o grupo renovador que se cindiu do PCI em busca de um modelo operário distinto do tradicional que Negri participa e inspira grupos distintos de reflexão e intervenção política; destacando-se em 1971, e já na ressaca do Maio de 68, o movimento de base juvenil e estudantil Brigate Rosse, de que terá sido um dos principais impulsionadores.
A acção política de Negri está rodeada de diversas névoas que o fim dos inúmeros processos judiciais de que foi alvo não dissipou. Em 1977, exila-se para Paris, num momento em que o centro universitário a que pertencia foi alvo de investigação judicial. Dois anos mais tarde, em 1979, e na sequência do rapto e assassinato de Aldo Moro, democrata cristão (1978), é detido e acusado de ser o seu mentor; durante esse ano, Negri é acusado de mais 17 homicídios. Após várias insurreições, raptos de magistrados e militares, do desaparecimento da principal testemunha de acusação, da tentativa de se resguardar na imunidade parlamentar, e já ausente novamente em França, Negri é julgado à revelia, sendo condenado a 30 anos de prisão, pese embora haja sido absolvido de algumas das acusações de que era alvo. Cumpriu apenas 5 anos de prisão efectiva, e 14 de exílio. Só em 1997 regressa a Itália, sendo novamente preso mal saiu do avião. Só recentemente foram suspensas as pendências judiciais que incidiam sobre Negri.
António Guerreiro sintetiza assim este pendor activista que tanto marcou pela negativa a vida política da Itália: «Apreender o tempo de modo subversivo e revolucionário foi a tarefa que o filósofo Antonio Negri confiou ao seu pensamento. Tal imperativo ritmou também a sua acção, de tal maneira que a obra deste autor (...) surgiu sempre rodeada de circunstâncias arriscadas de intervenção política».
Num post que escrevi no mês passado - O que é ser Esquerdista, hoje (e que já está no meu blogue de arquivo) - chamei a atenção para o facto de, no início deste novo século, o «Fim da História» estar bem longe de estar escrito; e que, pelo contrário, o que se assiste é a uma verdadeira «Revisão da História», devidamente promovida por uma Nova Esquerda que se apresenta com um discurso adequadamente recalibrado, com novos «amanhãs que cantam», liberto dos constrangimentos criados pela Queda do Muro de Berlim, disposta a continuar a distribuir «ópio ao povo».
É nesta linha que surge a obra que Negri publicou em 2000 com Michael Hardt – «Empire» (na versão portuguesa, «Império») – e que tem, de facto, funcionado como uma das principais alavancas da nova esquerda, como bem refere António Guerreiro, sendo visto até por alguns como «uma reescrita do Manifesto do Partido Comunista».
[continua]
Rodrigo Adão da Fonseca
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