A propósito da Escola de Gaia - a ditadura do politicamente correcto e da autocracia educativa

Duas jovens de um Liceu de Gaia viram a sua intimidade devassada pelo facto da Escola não ter sabido gerir internamente um assunto que, pela sua natureza, não merecia ser discutido na praça pública. Ao permitir a mediatização desta questão, a Escola abriu a porta da sua intimidade a uma sociedade sedenta de escândalo; permitiu que se dissecassem os pormenores que rodearam o suposto comportamento homossexual das alunas, colocando-as no centro do debate. Assim, educamos, ou criamos estigmas sobre jovens ainda em fase de formação, abrindo a porta às mais diversas agressões desnecessárias, não só às alunas como a uma comunidade escolar inteira? Não conheço em pormenor o que se passou; mas estas questões deveriam ser resolvidas entre as alunas, os professores e seus pais. Com bom-senso e frontalidade. E nunca caindo na hipocrisia desresponsabilizante de proibir as manifestações de afecto hetero e homo, numa cedência ridícula ao «politicamente correcto». Educar significa também salvaguardar os alunos e a comunidade escolar, não fugindo dos problemas, mas defendendo os alunos e alunas contra a devassa da privacidade - especialmente grave porquanto falamos de adolescentes - promovidas pelos media e pelo traiçoeiro «politicamente correcto» (tão recheado de armadilhas). Escrevo este post depois de ter lido o excelente artigo do Professor Espada na revista Actual de hoje (suplemento do jornal Expresso), que fala de «Isahiah Berlin e a Liberdade». Coincidência feliz, por estar este blogue na sua fase de arranque, sendo Berlin o «Santo Padroeiro» desta minha nova casa. JCE apresenta, ainda que apenas como referência, a controvérsia berliniana em redor do liberalismo e do pluralismo. Não sei o que diria Berlin sobre toda esta polémica do Liceu de Gaia, e também não tenho de facto um plano na algibeira que me permita enquadrar todos os problemas concretos que surgem nas nossas comunidades. Pegando nas palavras de JCE, não se pretendem aqui desvendar posições ideológicas; prefiro antes resguardar-me naquilo que era o apego de Berlin a uma liberdade ordeira ou negativa, patrocinadora de um espaço onde cada um de nós pode agir sem a coacção de terceiros (ver, também, a este proposito, a crónica de João Pereira Coutinho na parte que fala de Berlin, no Caderno Principal do Expresso). Estou certo que, como eu, Berlin se sentiria desconfortável com a exposição que foi dada a este caso, fonte de agressões e de graves violações da liberdade individual, desresponsabilizando-se a Escola, por cedência ao «politicamente correcto», da sua missão primordial, que é Educar. Excluindo os pais desta questão. Demitindo-se, refugiando-se em regras de carácter administrativo. Sintomas de uma Escola sem Valores, onde não há espaço para a Escolha. Onde os pais não participam, vivendo na ignorância em relação ao que se passa com os seus filhos. Onde os professores se refugiam na tecnocracia. Onde o espaço moral é o espaço mediático. Onde os alunos se educam para os valores em regime de auto-gestão, e onde ninguém defende a sua esfera de direitos. Sem dúvida, vale mesmo a pena pagar impostos. Rodrigo Adão da Fonseca

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