Rescaldo das eleições presidenciais – III
Ainda hoje me pergunto o que «fez correr» Mário Soares. Terá sido o «bichinho» da política, o irresistível apelo de poder travar com Cavaco um derradeiro combate de titãs? Ou um apelo desesperado do PS, em busca de um candidato que fosse capaz de discutir, com Cavaco, taco-a-taco, até ao final?
Mário Soares errou, não apenas ao candidatar-se, mas sobretudo quando optou por fazer uma campanha centrada no ataque a Cavaco; uma estratégia redutora do espaço político do candidato, ideologicamente sectária, que o entrincheirou numa esquerda quase radical que tem em Portugal o seu espaço político e mediático mas que – não tenhamos ilusões – não «ganha» eleições. Soares veio contribuir, neste plano, para uma maior «balcanização» da esquerda nestas eleições. Soares acenou com velhos medos que já não assustam os portugueses; içou as bandeiras ideológicas anti-globalização, anti-liberalismo e anti-capitalismo; tentou afirmar o humanismo socialista contra o economicismo, ignorando que os portugueses preferem uma mesa farta a uma boa biblioteca.
No seu discurso de derrota, Mário Soares demonstrou como poderia ter condicionado Cavaco; estas eleições teriam sido diferentes, se tivesse optado por ser um candidato mais agregador, e com um discurso mais aberto aos novos tempos.
Mário Soares tem um trajecto que não se esgota nesta candidatura; e terá o seu lugar na história; mas esta eleição será recordada como a página mais negra de todo o seu percurso político.
Rodrigo Adão da Fonseca
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