Como se fossemos todos muito burros
A Dr.ª Isabel Almasqué publicou no caderno principal do Jornal Expresso (25.02.2006, página 21) um extenso texto a que chamou «Como se eu fosse muito burra», recheado de números e argumentos, destinado a convencer a população em geral da pretensa montagem pelo Ministro da Saúde de uma cabala contra o Serviço de Oftalmologia do Hospital dos Capuchos que chefia.
A Dr.ª Isabel Almasqué está pelos vistos satisfeita com os níveis de produtividade que o seu Serviço apresenta: com um quadro médico de 23 médicos, e mais 6 internos em formação, terá desenvolvido, v.g., durante o ano de 2005, 2.165 cirurgias, e 25.432 consultas. O que é paradoxal, pois existem, em Portugal, unidades de saúde públicas com produção semelhante (em termos de cirurgia) com um terço dos médicos (e convém não esquecer que Oftalmologia é, por definição, uma especialidade cirúrgica). Se fossem 59 os médicos afectos ao Serviço, seria um escândalo; sendo «apenas» 29, a performance não deixa de ser particularmente fraca. Orgulha-se ainda de não ter lista de espera, mas não indica, v.g., qual o tempo incorrido entre a primeira consulta e a data da intervenção, nem quantas consultas são necessárias até que o doente seja efectivamente intervencionado.
Em caixa, destaca ainda que «(...) Um serviço de oftalmologia de um hospital central é um serviço de fim de linha, onde se diagnosticam e tratam os casos mais complexos e difíceis (...)». Curiosamente, neste plano, não se apresentam, em concreto, os níveis de complexidade e gravidade dos seus doentes, números essenciais para que se pudesse fazer a confrontação com os dados dos hospitais comparáveis; só assim se poderia considerar este como um bom argumento para justificar os menores níveis de produtividade que resultam dos números apresentados na crónica do Expresso.
Lamenta-se também pelo facto do seu serviço prestar não apenas cuidados de oftalmologia diferenciados mas também cuidados primários, «(...) já que as consultas de primeira vez são marcadas directamente pelos centros de saúde, sem nenhuma triagem prévia (...)». Talvez se o Hospital dos Capuchos, neste plano, tivesse seguido o exemplo de outras unidades hospitalares, que trabalham em conjunto com os centros de saúde, dando formação aos seus médicos e sensibilizando-os para esse problema, conseguisse uma menor afluência de doentes a necessitarem exclusivamente de cuidados primários, em seu próprio benefício.
Não deixa de ser paradigmático que sempre que alguém procura mexer com o status quo, os visados se vitimizem, com afirmações do estilo «Porquê tanta animosidade em relação a este serviço?», arremessando à população números e dados que estes não estão preparados para analisar, fazendo pairar a ideia de que se está perante uma «caça às bruxas».
Mais comentários poderiam fazer-se; que não se apresentam neste post por uma questão de economia de argumentos. Agora, o que os cidadãos já perceberam é que os recursos afectos à Saúde estão mal aplicados, e que crónicas como as do Expresso mais não são do que desculpas de mau ... prestador.
Rodrigo Adão da Fonseca
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