Mercado de Trabalho

Em Portugal, nas relações laborais, existe uma hipocrisia reinante: não se muda de emprego por dinheiro. Assumir que se avança para uma nova oportunidade porque a remuneração é francamente maior estimula «sentimentos negativos» em algumas entidades patronais. Por vezes, existe uma «contra-proposta», o que desde logo denota que o trabalhador estava claramente sub-remunerado; outras vezes, a rescisão é transportada para questões pessoais e sentimentais. A oferta de trabalho, em boa medida, está sub-valorizada, sobretudo porque não há uma cultura de mudança; o mercado é rígido, em prejuízo dos trabalhadores (dos que «trabalham», e não dos que têm um «emprego»); as oportunidades são raras, e as entidades patronais, neste contexto de rigidez, são conservadores no que diz respeito à contratação; mesmo quando avançam, «descontam» no salário o risco de estar a celebrar um contrato cuja revogação é mais complexa do que um processo de divórcio. Os que conseguem posicionar-se contra a corrente, pela sua valia relativa no mercado, conseguindo maximizar as suas competências, assumindo as melhores posições, saem com frequência dos seus locais de origem marcados por certos estigmas; o elemento que sai é desgastado pelos que ficam, que acabam por criar retóricas próprias para manter a «auto-estima» do grupo. Tudo isto a propósito deste post do Pedro Mendes (no blogue Aos 35):
A. é convidada por B. a mudar de emprego.No sítio antigo saúdam a competência de A. e desejavam que ficasse. Mas encolhem os ombros: “quando se trata de dinheiro não há nada a fazer”. O sítio antigo é um Evereste e o sítio novo é ainda um pequeno monte. Do estrito ponto de vista da ‘segurança’ tão nacional, A. fez mal. Por dinheiro, trocou a certeza pela incerteza. Os ex-chefes, ao lamentarem que é por dinheiro, não estão a ter uma reflexão quantitativa, mas sim qualitativa. Em Portugal - para os chefes portugueses digo - quem muda por dinheiro, muda pelas razões erradas. Corrijo: para os chefes portugueses mudar pelo dinheiro é sempre um motivo insuficiente para eles serem traídos. Ninguém gosta de ser traído pelo dinheiro - julgamo-nos todos acima disso. Porque é disto que se trata. Funcionamos com a nossa auto-estima a aflorar a pele. O que os ex-chefes de A. não suportam é que A. não tenha gostado deles o suficiente para ter dito que não ao convite (e ao dinheiro). Nunca subestimemos a importância do dinheiro em Portugal.
Rodrigo Adão da Fonseca

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