Sobre o reconhecimento civil (estatal) das uniões homossexuais
O casamento é uma convenção que radica, primariamente, no direito natural, e que mais não é do que a decisão de duas ou mais pessoas viverem em conjunto, constituindo um corpo familiar e assumindo tudo o que ele acarreta, no plano afectivo e material.
A evolução das sociedades e das culturas fez com que esta noção fosse, ao longo dos tempos, e nas mais diversas comunidades, assumindo asserções diversas, ganhando corpos e significações distintas. Assim, em Portugal, como na generalidade dos países ocidentais, casamento é a convenção celebrada por duas pessoas; já em algumas culturas (v.g. muçulmanas), o homem pode casar com mais do que uma mulher ao mesmo tempo.
Aquilo que na sua génese é uma convenção natural, passou com o tempo a ser um acto jurídico (já desde os primórdios o era também religioso): os esposos assumem, na celebração de um "acto", um dado "estado": esse "estado" acarreta um conjunto de direitos e deveres: quer pessoais (entre os cônjuges) quer, eventualmente, perante a comunidade e uma qualquer divindade.
Assim, aceito sem dificuldade que a convenção natural - hoje chamada de "União de Facto" - desde que celebrada em liberdade, não deve ser impedida. Assim, nada deve obstar a que pessoas do mesmo sexo assumam por convenção natural a construção de um lar.
O que, também, deve aceitar-se sem dificuldade é a liberdade religiosa. Logo, e se alguém quiser casar segundo a sua religião, deve poder fazê-lo sem qualquer impedimento.
A "institucionalização" civil do casamento - seja ele hetero ou homo - é que pode ser considerado um "non sense"; sobretudo quando a argumentação tem uma ratio patrimonial, quando apenas se procura obter da parte do Estado o reconhecimento de um "estado" (status) em relação ao qual estão consagrados "benefícios". A bizarria é tal que, recentemente, assistimos ao "alargamento" destes benefícios aos não casados que preencham, dentro da convenção natural ("união de facto"), um conjunto de "requisitos" definidos por via legal.
Mas mesmo neste contexto de "institucionalização do casamento civil" o que se discute é mais a consagração de certos "direitos", e não propriamente a convenção em si. Admite-se que, culturalmente, o reconhecimento social da união pode ser importante, e poderá em muitas comunidades ser razoável que este seja assumido pelos poderes públicos.
A palavra "casamento" pode ter diferentes cargas semânticas, em função do tempo, do espaço e da cultura; tem um "mínimo denominador comum", sendo a sua forma e sentido, mais amplo, obviamente, conformado pela evolução das sociedades.
Importa compreender que o que se está a discutir, apenas, é a «estatização» do casamento gay e a sua regulação pelos poderes públicos; por questões patrimoniais ou de mera afirmação social. A força das relações, porém, depende, sobretudo, das virtudes da união pessoal, da força da instituição «casamento», a qual não depende - não fica prejudicada nem beneficiada, que não na esfera patrimonial - pela existência de um vínculo civil.
Rodrigo Adão da Fonseca
[Corpo principal deste post inicialmente publicado, em Abril de 2005, no Blasfémias, aqui e aqui, e que decidi recuperar após ter ouvido o debate na «Quadratura do Círculo» e a opinião expressa por JPP (eu próprio partilho tenho aversão a esta paranóia de querer regular tantas questões que são pessoais e pertencem à esfera privada)].
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