Liberalismo V Estatismo / Generosidade V Solidariedade
[Na sequência desta crónica de Jorge Coelho, hoje no DE, e do programa de ontem da«Quadratura do Círculo»]
É quase um lugar-comum associar a defesa do liberalismo a um certo individualismo. Tal resulta de uma leitura superficial da ideia central do liberalismo, que reclama a protecção da esfera intangível do indivíduo e da sua liberdade como pressuposto para a sua afirmação plena, e que conduz à percepção (a meu ver errada) que esta corrente de pensamento está apenas focada no «Eu».
Do mesmo modo, em sociedades como a nossa, em que as doutrinas de base social (nas suas diversas acepções) estão enraizadas no subconsciente colectivo, a defesa de soluções de previdência social são qualificadas como sinónimo de «generosidade» e desprendimento.
A realidade, contudo, é crua e dura, e bastante diferente daquilo que são as nossas percepções e (pre)-conceitos.
O Estado tem vindo a assumir, na nossa sociedade, um papel cada vez mais interventivo no plano da prestação social. Por decreto, criam-se direitos, a que se lhes dá dignidade constitucional, colocando-os no topo das prioridades, por via compulsiva.
A sistemática transferência das funções de auxílio e assistência dos indivíduos e da sociedade civil para o Estado - a dita «solidariedade» - tem, contudo, e com uma frequência preocupante, efeitos perversos.
Por um lado, os indivíduos são privados – por via da imposição crescente de impostos – de uma boa parte dos meios necessários para poderem, eles próprios, serem bondosos. A nossa generosidade, aquela que resulta dos nossos actos voluntários, fica limitada aos recursos que sobejam após o pagamento de várias «dízimas».
Mas não está em causa apenas uma questão económica: o Estado, ao chamar a si a função «solidariedade», financiando-se junto dos cidadãos, subtilmente desresponsabiliza-os e torna a sociedade mais fria: destroem-se laços de afectividade, de familiaridade, de sentido comunitário e de vizinhança; cabe ao Estado cuidar de cada um de nós; os impostos são o preço que muitos pagam para se desembaraçarem dos deveres de assistência.
A solidariedade é um conceito abstracto, de natureza «constitucional», executado por entes orgânicos, «instituições», por «profissionais», a partir de directrizes definidas por via legal e política; falta-lhe a dimensão afectiva que só existe na generosidade, praticada em liberdade e manifestada em actos voluntários de indivíduos concretos. Não há espaço, pelas próprias circunstâncias em que é praticada, para o conhecimento do «Outro». O Estado Social desresponsabiliza os indivíduos, subroga-se nos seus deveres fundamentais, centraliza a prestação, esvazia a sociedade civil das suas funções e desagrega o tecido social.
Assistimos, assim, a um paradoxo: os cidadãos, por um lado, estão limitados na sua capacidade de serem generosos, porque uma boa parte dos recursos lhe são sonegados por via dos impostos; por outro lado, e do ponto de vista constitucional, é ao Estado que compete prestar e promover o bem-estar, dispondo dos meios para tal, pelo que legalmente se liberta o indivíduo – quer ele queira, quer não – do dever de assistência aos que lhe são próximos, potenciando egoísmos e privilegiando modos de vida sem laços nem raízes. Tudo em defesa de uma sociedade mais «Justa» e mais «Solidária», obviamente.
Rodrigo Adão da Fonseca
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