Quem são afinal os culpados? Talvez ambos...
João Cardoso Rosas - um dos mais lúcidos professores que tive, capaz de explicar autores do mais distinto quadrante com clareza e nos seus pressupostos sem condicionar a sua exposição por posições pessoais - no DE de ontem defende:
O Estado social não é apenas de esquerda, mas também de direita, não é apenas social-democrata e socialista, mas também liberal e conservador.Historicamente, de facto, o Estado Social é uma construção colectiva para o qual contribuíram por essa Europa fora governos socialistas, sociais-democratas e liberais-conservadores (como muito bem se explica aqui). Nesse sentido, pode dizer-se que o Estado Social, na sua concepção fundamental, não é exclusivamente património da Direita ou da Esquerda. Importa contudo notar que a forma como o socialismo, a social-democracia e as correntes liberais de base conservadora encaram o Estado Social é, nos seus termos, bastante diferente (vejam-se, v.g., as diferenças entre os Modelos Escandinavos e as políticas desenvolvidas por Thatcher), pelo que neste plano me parece algo redutor apresentar e discutir os fundamentos do Estado Social como se este fosse uma síntese conceptual única. Por razões históricas, pode fazer sentido que o Estado Social preste tributo aos liberais-conservadores que ajudaram a construí-lo - discordando por isso de Vital Moreira que reclama em exclusivo para Esquerda a sua paternidade e (esperemos) a sua herança - e até considero legítimo que haja, sem contradições dogmáticas, entre a direita liberal-conservadora e os adeptos das correntes liberais-sociais quem, como João Cardoso Rosas, aspire «a reformar o Estado social». Também me parece claro que neste plano, e apesar das diferentes abordagens, não existem distinções essenciais entre os partidos de Direita e de Esquerda, que alinham todos eles pela matriz social (aspecto, aliás, que tenho repetido até à sacidade). O que me parece também evidente é que existe, hoje, espaço e abertura nas nossas sociedades para a defesa de algo estruturalmente distinto, que não se dissolve nos compromissos entre a esquerda e a democracia-cristã, sobretudo na fase de discussão prévia à definição das políticas públicas. Este é um espaço liberal, talvez neo-liberal (pela ausência na Europa de experiências históricas recentes, em larga escala), que recusa o socialismo e o estatismo mas que não se acantona no minifúndio da direita (em cujos domínios não se sente confortável, pelas suas contradições intrínsecas). Renega à dicotomia esquerda-direita, que entende ultrapassada, considerando interessantes, mas apenas com um valor histórico, exercícios como este e este, onde se reclamam «heranças» para micro-espaços políticos e partidários. Porque está sobretudo preocupado com o futuro (e não tanto concentrado em fazer «justiça» em relação ao passado), não se conformando com soluções que, embora rotuladas de moderadas, se traduzem em limitações excessivas da liberdade individual e em verdadeiras hipotecas do futuro dos mais jovens, os tais que, por terem ainda esperança de vida, não acreditam que, «no longo prazo, estaremos todos mortos». O espaço liberal é amplo. E está, cada vez mais, afastado das suas versões mais conservadoras e de inspiração social. Rodrigo Adão da Fonseca [Inicialmente publicado n'O Insurgente]
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