Neoconservadorismo e posicionamento dos EUA nas relações internacionais

Os neoconservadores são um conjunto bastante restrito de pensadores e intelectuais que, desde os anos cinquenta, organizados em redor e partir de diversos pólos de reflexão e acção, como as revistas Commentary, The Public Interest, Weekly Standard, The National Interest ou a recente The American Interest, de Think Tanks como o American Enterprise Institute, ou de distintos centros universitários, se têm afirmado na cena política norte-americana, estando hoje bem estruturados nos distintos centros de poder. Uma boa parte deste grupo transitou da esquerda do espectro político, alguns mesmo da extrema-esquerda; Irving Kristol, considerado o Pai desta corrente, tem raízes trotskistas, que ainda se manifestam no seu zelo ideológico e na sua capacidade de organização e polémica:
Ever since I can remember, I’ve been a neo–something: A neo-Marxist, a neo-Trotskyist, a neo-Liberal, a neo-Conservative; in religion a neo-Orthodox even while I was a neo-Trotskyist and neo-Marxist. I’m going to end up a neo–that’s all, neo dash nothing. Irving Kristol
Existem razões históricas para este trajecto: nos anos 60, um grupo de intelectuais quis demarcar-se das políticas do New Frontier de JFK:
Neo-conservatism is the secular political philosophy that defined the reaction of a group of former liberals to what they felt was Democratic Party's policy of appeasement toward the Soviet Union - most especially the USSR's treatment of its Jewish population and its relations with the Arab World. They are a small but influential group of writers, commentators and government officials. Godfrey Hodgson, "The World Turned Right Side Up"
O Judaísmo, o Realismo e o Pessimismo no pensamento neoconservador: O movimento neoconservador é predominantemente de origem judaica (a publicação mensal mais antiga - a Commentary - é publicada pelo The American Jewish Committee); importa, contudo, notar, que a comunidade judaica norte-americana é maioritariamente liberal (no sentido norte-americano do termo), numa lealdade histórica muito rígida, que persiste desde a decisão de entrada dos EUA na 2.ª Guerra Mundial assumida pelo Presidente Franklin D. Roosevelt (Democrata). Apesar da matriz judaica, existem alguns proeminentes católicos e cristãos que abraçaram também o credo neoconservador. Os neoconservadores começaram a distanciar-se do New Frontier assumindo, na linha do pessimismo hobbesiano, um realismo muito particular em matéria de política externa. Irving Kristol, numa das suas frases mais famosas, definiu um neoconservador como sendo "um liberal assaltado pela realidade". O posicionamento neoconservador resume-se na frase de Thomas Hobbes, "a condição [natural] do homem é a guerra de todos contra todos". Este realismo não se esgota contudo numa abordagem meramente analítica, uma vez que os neoconservadores se doutrinam politicamente para o plano da acção; nesse sentido se compreende que o realismo pessimista neconservador manifeste um certo apreço pelo pensamento político de Maquiavel, quer na ideia que "os homens estão mais dispostos ao Mal do que ao Bem", quer na subordinação dos meios aos fins. O receio do Holocausto e a defesa da Guerra Preventiva; maniqueísmo e recusa da ideia de Paz: A esta doutrinação para a acção não será alheia, nem a origem judaica de uma boa parte dos neocons, nem a marca do Holocausto. Não é aliás possível compreender o neoconservadorismo se não se tiver presente que este genocídio matou centenas de milhares de judeus com ligações familiares a muitos dos actuais políticos norte-americanos (como é o caso de Paul Wolfowitz, ex-Subsecretário de Estado da Defesa, actualmente no Banco Mundial); Perle, um dos mais proeminentes neoconservadores, em entrevista à BBC, corrobora esta ideia, quando afirma peremptoriamente: "o momento que define a nossa história é, por certo, o Holocausto". O Holocausto ajuda a explicar também a forma incisiva como os neoconservadores têm vindo a defender e desenvolver o conceito de guerra preventiva; nesse sentido aponta também Perle, na mesma entrevista à BBC:
[o Holocausto] tratou-se da destruição, do genocídio, de todo um povo, e do fracasso de responder a tempo a uma ameaça. Não queremos que ocorra de novo. Se temos a capacidade para deter os regimes totalitários, fá-lo-emos, porque se falhamos, os resultados podem ser catastróficos.

O pensamento neoconservador denota ainda uma forte tendência para o maniqueísmo, percepcionando o mundo como uma luta permanente entre as forças do Bem e do Mal, entre a Luz e as Trevas. Aliás, quer a definição de um Eixo do Mal, após o 11 de Setembro, quer a divisão que Bush efectuou na comunidade internacional ("With us or against us") estão claramente sob influência deste maniqueísmo neoconservador. A Paz é vista como algo de Utópico; na linha de Hobbes, Michael Ledeen, colaborador próximo de Perle no American Enterprise Institute, afirma sem reservas: "Sei que a luta contra o Mal será eterna". Robert Pollock, por seu lado, num artigo publicado no The Wall Street Journal, manifestou a sua desconfiança pelos processos de paz: "a paz não resulta de qualquer processo". Para os neoconservadores, a guerra é um estado natural da Humanidade e a Paz não é só um sonho utópico, como induz à "brandura", à "decadência" e ao "pacifismo". Estes valores, "combinados com o mito de que a Paz é normal" - escreveu Ledeen - representam "a corrupção da missão nacional (...) produzindo um anestésico tão forte que é capaz de desvanecer a fortaleza das forças armadas e a integridade dos líderes políticos e militares". O mesmo Ledeen, num editorial publicado no The Wall Street Journal, antes da guerra com o Iraque, sustentou que em caso algum se deve negociar com o inimigo: "Antes que os Estados Unidos possam preocupar-se em reconstruir o Iraque, devem vencer militarmente e de uma maneira decisiva". Os neoconservadores vivem, assim, em constante sobressalto, considerando prioritária a construção de um poderio militar capaz de derrotar qualquer inimigo: é essencial antecipar as ameaças e desenvolver uma vontade de as prevenir. Estes traços estão presentes no actual diferendo entre o Irão e os EUA; por um lado, os EUA procuram encontrar uma legitimidade internacional para poder intervir preventivamente no Irão; por seu lado, o líder iraniano não resiste a provocações, nomeadamente negando, com pompa e circunstância, o Holocausto, procurando desta forma provocar este núcleo nevrálgico da Casa Branca. A Superioridade Moral dos EUA: Para os neocons, os EUA são actualmente o povo que mais se aproxima daquilo que consideram ser a bondade moral; afirma Elliot Abrans, membro do Conselho de Segurança da Casa Branca:

cometemos muitos erros desde o surgimento dos Estados Unidos como potência mundial há um século atrás, mas fomos também a maior força ao serviço do Bem entre as nações da terra. Uma redução do nosso poder de influência fará mal ao nosso país, aos nossos amigos e aos nossos princípios.

Tal supremacia moral funciona como justificação e até requer uma política unilateral, livre da influência de países estrangeiros e tratados e organizações internacionais; daí que os EUA sejam actualmente um dos maiores opositores de organizações como o TPI ou a ONU; as afirmações de Charles Krauthamer ao The Washington Post não deixam margem para dúvidas: "Deixemos que [a ONU] se afogue". Para Perle, ter permitido que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tivesse intervindo na questão do Iraque teria sido algo de perigosamente errado, "que teria conduzido inexoravelmente à concessão de um poder de decisão moral e até existencial, em matéria político-militar, a países como a Síria, os Camarões, Rússia, China ou França". Todos os conceitos acima apresentados são essenciais para se poder compreender aquilo que são as diferentes posições dos EUA e da Europa na cena internacional, bem como a raiz de uma certa beligerância que ressurge nos anos 90, no Pós-Guerra Fria, e se agudiza nos mandatos de George W. Bush. A marca neoconservadora está presente no receio de um novo Holocausto, na protecção de Israel contra a ameaça dos países inimigos do Médio Oriente, no clima de Guerra Permanente, por oposição a uma Paz Duradoura, na defesa da legitimidade da Guerra Preventiva e na desqualificação moral das instituições internacionais. Rodrigo Adão da Fonseca

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