A noção de bonus pater familias para o STJ (aditado)

Um recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça apanhou-me de surpresa. No sumário, enuncia-se desde logo que «castigos moderados aplicados a menor por quem de direito, com fim exclusivamente educacional e adequados à situação, não são ilícitos».

Colecção Berardo - Paula Rego (ver mais aqui)

Esta frase é de um inegável bom-senso. É geralmente aceite no nosso ambiente cultural que a autoridade paternal implica, por vezes, a aplicação de castigos físicos leves, desde que não ultrapassem a barreira da violência, sendo adequados e proporcionais ao comportamento assumido pelo menor. O que me chocou foi, não a enunciação teórica do princípio, mas a latitude das situações concretas que, segundo o STJ, se acomodam na conduta de um bonus pater familias. Assim, a arguida foi ilibada, apesar de terem sido dados como provados, entre outros factos, que:

A partir de 1992 até 12 de Janeiro de 2000 a arguida por várias vezes fechou o BB à chave, na despensa, com a luz apagada, quando este estava mais activo, chegando o menor a ficar fechado cerca de uma hora. No mesmo período, por duas vezes, de manhã, em dias coincidentes com o fim-de-semana amarrou os pés e as mãos do BB à cama para evitar que acordasse os restantes utentes do lar e para não perturbar o descanso matinal da arguida. O BB é menor de idade e sofre de psicose infantil muito grave, sendo uma criança com comportamentos disfuncionais, hiperactiva e por vezes agressiva que descompensa com facilidade.
Não nego que as condições específicas da arguida não devam ser ponderadas na decisão judicial, nomeadamente a sobrecarga a que ela estava sujeita, com quinze crianças a cargo, aliada à sua fraca instrução e vocação para as funções. A absolvição em si poderia ter sido acompanhada de uma censura dos actos praticados; mas não: como é possível que se conclua que, e cita-se, «Se alguém foi vítima de maus tratos foi a recorrente, como bem salientou a Sra. Juíza de Instrução Criminal»; ou ainda que:

Não foi alegado e menos provado, que a recorrente tivesse agido por malvadez, o que era uma condição essencial estabelecida na lei que vigorava em 1992. Aliás está provado o contrário, pois consta da sentença que a arguida amarrou o BB à cama, por duas vezes, para evitar que ele acordasse os restantes utentes do lar e não perturbasse o seu descanso matinal, que o fechou na despensa quando ele estava mais activo e que o BB era uma criança hiperactiva e por vezes agressiva. Os comportamentos que foram dados como provados contra a arguida podem configurar castigos eventualmente excessivos, passíveis de integrar as ofensas corporais, mas de forma nenhuma maus tratos.

A fuga ao politicamente correcto que existe em relação à violência contra as crianças - que conduz por vezes ao ridículo de considerar que estas são «intocáveis» - não nos deve limitar na apreciação de situações que são, objectivamente e face aos factos provados - altamente reprováveis, devendo merecer a nossa censura sem reservas. [Podem consultar o Acórdão aqui (via Basfémias)]. Rodrigo Adão da Fonseca

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