Blue Stories: "Bobas"
Em Junho, à semelhança de centenas de milhares de portugueses, fiz uma pequena pausa para férias. Foram umas férias algarvias diferentes; na ausência do Rei Sol, o tempo foi preenchido a ler, a melhorar o swing, a ver o Mundial em locais públicos com Sport TV, a conviver com os amigos com quem nos sentimos bem. E a caminhar. Junto à praia, sem sentir o sol abrasador; pelos longos carreiros do aldeamento, à conversa.
Foi num desses passeios que conheci o Bobas. Foi esse o nome que lhe dei. Não estranhei que ele nos acompanhasse. Já na noite anterior um gato tinha, numa aproximação bem calculada, acabado aninhado no colo, primeiro da minha mulher, depois no meu, ronronando, esticando as pernas, cumprindo no fundo - e bem - o seu papel de gato.
O Bobas, esse, acompanhou-nos até a porta de casa. Um belo cão de caça, aparentemente divertido, mas com uma expressão facial, que falava: o Bobas, em cada brincadeira feita ao longo daquela hora de passeio, parecia feliz: e que traquinha! Os seus olhos, porém, estavam lacrimosos, pedintes, carentes de um dono. Depois de lhe darmos de comer e beber, fomos dormir. Quando fechei a porta, olhei para trás, e vi o Bobas, fitando-me, sentado, impávido, obediente. Nada pedia. Não ladrava. Apenas me olhava. Com aqueles olhos caninos tristes. O Bobas é mais um cão abandonado pelo egoísmo dos homens. A meio da noite, dei por mim à volta do jardim, em busca daquele rosto. O Bobas já não estava. Soube por aqueles dias que ele vive em liberdade, algures pelo aldeamento, recebendo o carinho das pessoas que o habitam. Os seus olhos, porém, não enganavam. Ele não é feliz; porque alguém o abandonou.
Os animais sãos os nossos amigos fiéis. Nas férias, não os abandone. Os animais, por não terem memória, não esquecem (esse é um privilégio dos homens); apenas sentem. E transportam a dor até à morte.
Rodrigo Adão da Fonseca
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