Revista de Imprensa
Rodrigo Adão da FonsecaMarx tinha razão quando dizia ser necessário dar mais poder aos trabalhadores para eles serem mais felizes. Em 1848 Marx publicou com Engels ”O Manifesto Comunista” e mais tarde em 1867 o primeiro capítulo da sua obra económica fundamental ”O Capital”. Marx acreditava que a única forma de alcançar uma sociedade feliz e harmoniosa seria com os trabalhadores no poder, o que representaria o último estádio do desenvolvimento, depois de o capitalismo ter soçobrado devido, nomeadamente, às suas contradições internas e à luta de classes. Segundo Marx os patrões exploravam os trabalhadores, apropriando-se das mais valias por eles criadas, devendo por isso os trabalhadores organizarem-se em sindicatos para combater os patrões e mais tarde tomar o poder nas suas próprias mãos, passando toda a propriedade dos meios de produção para o Estado. Marx foi excessivo ao antecipar o fim do capitalismo e ao desprezar o papel dos empresários, e ingénuo ao não antecipar as distorções e ineficiências provocadas por um Estado comunista.
Mas tinha razão quando dizia ser necessário dar mais poder aos trabalhadores para eles serem mais felizes. Marx não antecipou que seria possível compatibilizar e encontrar um equilíbrio virtuoso e dinâmico entre o papel e poder dos empresários e o papel e o poder dos trabalhadores. Também não antecipou que mais relevante do que falar em classes, (que se tornaram cada vez menos homogéneas e menos estáveis), e na luta geral dos trabalhadores, seria falar e apostar em incentivos, competências e motivações individuais, num modelo social selectivo e sustentável e na valorização e responsabilização de cada cidadão, sendo esta a base da construção e desenvolvimento da Sociedade e finalmente do aumento de poder do trabalhador. Existem boas razões para desculpar Marx. Na altura em que Marx publicou as suas teses os mercados eram principalmente locais e poucos competitivos, existiam muitas posições dominantes, não existia uma adequada regulação e fiscalização das práticas duma sã concorrência, o sistema social era muito precário e os trabalhadores tinham, duma forma geral e à partida, um nível de educação e de qualificação reduzidos. Os patrões tinham, assim, um elevado poder face aos trabalhadores, que se encontravam numa situação de elevada fragilidade e que dificilmente poderiam aspirar a serem eles próprios empresários. Mas o Mundo entretanto mudou e muito, em particular nas últimas décadas. O sistema educativo tornou-se mais abrangente e eficaz, massificando o acesso ao ensino, as políticas sociais ficaram mais consequentes, as tecnologias de informação facilitaram um acesso individual ao conhecimento e à possibilidade de comunicação duma forma independente, o cidadão adquiriu muito mais poder como agente económico, seja como trabalhador, produtor ou consumidor. Por outro lado, a globalização e abertura dos mercados e as suas políticas e práticas de concorrência reduziram as ameaças de poderes empresariais dominantes e as margens de lucro excessivas e levaram os empresários a procurar obter e reter os melhores recursos, nomeadamente humanos, para os seus projectos, por forma a tornarem-se mais competitivos. Existe ainda hoje quem viva agarrado aos velhos paradigmas do passado, em parte por razões associadas a uma dificuldade de compreensão das mudanças verificadas mas, principalmente, porque essa é a única forma de defenderem o seu estatuto e não terem que entrar em contradição com as propostas que têm defendido para a Sociedade. Na prática não querem que os cidadãos tenham mais poder, sejam mais qualificados, independentes e informados e possam encontrar o seu próprio caminho. Preferem ter cidadãos fragilizados e assustados, que acreditem na manutenção da segurança de emprego (apenas aparente), para que se mantenham fiéis e dependentes das instituições e organizações políticas ou sindicais que lideram, mesmo que esse seja o caminho para o empobrecimento e infelicidade. Não aproveitam assim a parte boa e revolucionária da teoria de Karl Marx: a importância de dar poder e alternativas aos trabalhadores (neste caso individualmente considerados), aproveitando todo o seu potencial e permitindo a sua realização. Não os podemos desculpar como a Marx, dado o contexto e desafios actuais com que nos confrontamos. Porque o seu posicionamento é contrário à dinâmica de desenvolvimento da Sociedade e à felicidade dos cidadãos, mesmo que não sejamos partidários de rótulos, não podemos deixar de os designar de ”Neo-reaccionários”. António Carrapatoso, Economista
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