Alice no País das Maravilhas

Era uma vez uma organização mutualista que, para financiar a sua actividade, decide recorrer ao mercado internacional, emitindo obrigações. No planeta, a probabilidade de haver alguém disposto a emprestar-lhe dinheiro, em condições competitivas, é maior do que se a fonte de recursos se limitasse às fronteiras da descapitalizada lusitânia. Para tal, abre uma Sucursal numas ilhas chamadas Caimão ou Cayman. O Fundo do Petróleo da Noruega (obrigacionista fictício), que normalmente apresenta excesso de liquidez, decide então ceder fundos para financiar a expansão da nossa simpática e organizada mútua. Só que como os nórdicos têm dinheiro e não são estúpidos (características que habitualmente andam de mão dada), por esse empréstimo exigem uma dada remuneração, que vamos fixar em 2%. Os juros cobrados pelo Fundo de Petróleo da Noruega são tributados algures na terra dos fiordes. A organização mutualista utiliza os fundos que obteve no exterior - por este processo que se designa na gíria financeira por funding - para conceder crédito aos portugueses. Este crédito concedido gera um proveito, o qual tem de servir para cobrir o juro pago ao Fundo de Petróleo da Noruega e ainda gerar uma margem (que é o lucro da organização mutualista, que vamos convencionar ser, em termos médios, igualmente de 2%). O juro cobrado pela organização mutualista permite ao Estado arrecadar impostos: IRC e Imposto do Selo. Um dia, porém, alguém "guloso" (não satisfeito com a sua parte no negócio: o IRC e o Imposto do Selo) teve a ideia pioneira de considerar que as sucursais exteriores de instituições financeiras nacionais, quando pagassem juros a "agiotas" como o Fundo de Petróleo da Noruega, deveriam também prestar tributo a um "agiota" ainda maior, o Estado Português. Assim, alguém por conta do Estado exige à organização mutualista que tenha a maçada de lhe entregar 20% de todos os juros que pagou ao Fundo de Petróleo da Noruega; dando-lhe nota, ainda, que no futuro tenha a fineza de liquidar esse imposto aos ricaços nórdicos e outros que tenham caído na asneira de lhe emprestar dinheiro. A consequência deste tipo de medidas - caso tivessem tido sequência - para lá do impacto negativo na situação líquida da organização mutualista, é simples de antever: o Fundo de Petróleo da Noruega e todas as entidades e pessoas que disponibilizam recursos nos mercados monetários não são organizações filantrópicas de ajuda ao Estado português, e têm estes riscos cobertos; a remuneração que passariam a exigir aos bancos com sede em Portugal seria, não de 2%, mas 2,4%, nos contratos "vivos", e 2,5%, nos contratos novos (pois a sua parte no negócio seria sempre a mesma: em termos líquidos, 2%). Este processo de actualização da remuneração chama-se "gross-up". Em termos práticos, os bancos, para manterem o mesmo nível de proveitos, teriam de cobrar aos seus clientes, em termos médios, mais 0,5%. Procurando impor-lhes taxas maiores. O que dificilmente conseguiriam. E porquê? Porque esta tributação distorce a concorrência entre as instituições financeiras residentes e não residentes. Na verdade, qualquer banco estrangeiro dispõe de mecanismos - legais, e economicamente justificados - para obter fundos sem ter de prestar esta "dupla vassalagem", sem sofrer esta retenção ao nível das suas sucursais ou veículos constituídos no exterior para o funding: pelo que poderiam, assim, emprestar dinheiro mais barato. Os juros pagos pelas empresas e cidadãos nacionais. tendencialmente, seriam canalizados para as instituições financeiras estangeiras, a actuar no nosso país com estruturas mais leves; depreciando parcialmente a empregabilidade em Portugal (e, também, a receita de IRS e Segurança Social). Os bancos portugueses teriam de diminuir as suas margens, o que reduziria a base para cobrança de IRC (a que se chama "lucro"). Tal só não acontece porque, obviamente, existem - e bem - outras soluções que permitem à banca repor a normalidade (e que são legais: ou promovidas pelo próprio Estado, como é o caso do mercado de dívida privada; ou por recurso a filiais no exterior, longe da alçada do agiota público). O pretenso "perdão fiscal" ao Montepio, e a indignação saloia às palavras de João Salgueiro mais não são do que histórias de embalar para vender jornais e ideologias manhosas. Rodrigo Adão da Fonseca

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