As Farpas (I)

Deve ser certamente a passagem d'As Farpas mais citada; talvez pela sua pertinência e actualidade; o que for; agora, não podia deixar de ser aqui reproduzida:

«(...)

Fomos outrora o povo do caldo da portaria, das procissões, da navalha e da taberna. Compreendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana: fizemos muitas revoluções para sair dela. Ficámos exactamente em condições idênticas. O caldo da portaria não acabou. Não é já como outrora, uma multidão pitoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, carrascos, que o vai buscar alegremente, ao meio dia, cantando o Bendito; é uma classe inteira que vive dele, de chapéu alto e paletó. Este caldo é o Estado.

(...)

Todos vivem na dependência: nunca temos por isso a atitude da nossa consciência, temos a atitude do nosso interesse. Lentamente, o homem perde também a individualidade de pensamento.

(...)

Não tendo de formar carácter, porque ele lhe é inútil e teria a todo o momento de o vergar; não tendo de formar opinião, porque lhe seria incómoda e teria a todo o momento de a calar - costuma-se viver sem carácter e sem opinião.

(...)»

Rodrigo Adão da Fonseca

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