Uma visão despreocupada e equidistante sobre as eleições americanas

Os eleitores americanos, a semana passada, concederam ao Partido Democrata a maioria no Congresso. A Casa Branca vai, assim, ter de dialogar, nos próximos dois anos, com duas Câmaras maioritariamente democratas. Para além das especificidades locais - estas eleições servem para sufragar, não apenas a esfera nacional, mas muitas questões que dizem respeito apenas a cada um dos Estados - terão sido quatro as razões que determinaram o resultado eleitoral. Desde logo, o Iraque. Mas não só. O conflito com a comunidade hispânica, as questões ambientais e, sobretudo, os escândalos políticos que rodearam alguns republicanos - seja de índole sexual, sejam casos de simples corrupção - assumiram-se também como hot issues durante a campanha. Na verdade, os democratas há muito procuravam vingar-se dos Republicanos e da postura moralista com que se posicionaram no escândalo Clinton; o assédio sexual a menores praticado por um reputado congressista, Mark Foley, foi um repasto, explorado até ao limite; no Iraque, e ao contrário do que é a convicção de boa parte dos europeus, Bush é censurado, não propriamente pela intervenção, mas pelo facto de não ter conseguido uma vitória rápida; os americanos estão danados, sim, mas porque se encontram num atoleiro de onde não conseguem sair, pelo desprestígio internacional que o arrastar da operação começa a causar, e pelos custos acumulados para o erário público, sem grande retorno associado. Poucos são os que, pura e simplesmente, estão contra a guerra. A errática ideia de construir um muro na fronteira com o México, decisão tomada na sequência de um significativo protesto hispânico de grandes dimensões em reacção às restrições que se pretendem impor à imigração, terá tido também custos políticos, uma vez que este eleitorado, apesar de dividido, em geral apoia maioritariamente os Republicanos. A incapacidade demonstrada aquando do Katrina - num país fortemente exposto a catástrofes naturais - e o avanço de um ecologismo político associado aos democratas favoreceu-os, embora esta inteligente jogada tenda sobretudo a dar frutos a médio prazo. Bush, ao contrário do seu pai, demonstrou ser um mau governante. A governação não é, certamente, o seu forte. Por isso poucos europeus compreendem como conseguiu ser eleito, por duas vezes. Desvaloriza-se algo que, em democracia, vale ouro. Bush é um excelente comunicador, tem uma enorme capacidade de tocar as massas. Bush é um texano formado em Yale, um animal político que se movimenta sem dificuldade nos mais distintos habitats, desde os salões até ao mais popular rodeo. Al Gore ou Kerry, os seus adversários políticos, fazem parte de uma América elitista, a quem sempre faltou a capacidade de lidar com a América profunda, ou com as minorias de base popular. Ao contrário de Clinton. Vai ser curioso assistir, nos próximos dois anos, à inflexão política de Bush, que já é, aliás, visível. O contexto político conduziu o jogo para tabuleiros onde este sempre foi poderoso. Bush não é feliz nas grandes decisões, mas particularmente bem sucedido na arte de gerir consensos pontuais. Rapidamente, despiu a farda, assumindo uma postura diplomática e conciliadora; está já a seduzir uma significativa ala do Partido Democrata, ávida por rentabilizar o ascendente que o novo quadro do Congresso lhe concede. Enquanto trabalha nos bastidores da capital, Bush vai procurar legitimar-se junto dos cidadãos, utilizando o trunfo mediático que sempre lhe foi favorável. Ao mesmo tempo, os Democratas vão procurar empurrar os republicanos para as cordas. Para isso, terão de convencer os seus representantes no Congresso a adiar por dois anos as suas agendas pessoais, inviabilizando a governação Bush. Terão, ainda, que apresentar-se como alternativa válida para ocupar a Casa Branca, quer escolhendo nas primárias candidatos credíveis, sem áurea snob e com alguma dose de populismo; quer apresentando soluções viáveis para os assuntos da governação que mais preocupam os americanos: Iraque; Luta contra o Terrorismo; Imigração; Ambiente; Corrupção. Avizinham-se tempos muito interessantes. Rodrigo Adão da Fonseca

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