Sobre a pretensa incompatibilidade entre "Lei Penal" e "Moral"

Não há normas penais que não remetam para uma dada ética, para juízos morais subjacentes. As leis penais não são assépticas. Sobretudo aquelas que regulam os aspectos básicos da vida em sociedade, conduzem-nos sempre até algum valor que se pretende, obviamente, tutelar e proteger.

O "Não" carrega certamente, na sua pluralidade, um denominador comum bastante forte em matéria de princípios e valores. Agora, o voto no "Sim" está, obviamente, também influenciado por concepções filosóficas e culturais, que apontam para uma dada moralidade: tem, igualmente, as suas raízes dogmáticas, aliás bem profundas, não resultando apenas de uma suposta preocupação com as incidências da "realidade". Parte da marca existencialista e pósmoderna, bem visível na forma como o aborto é apresentado pelos seus partidários: como uma realidade pandémica, injustificadamente classificada de barbárie, e onde os condicionalismos morais exteriores representam um "absurdo"; a mulher é isolada, colocada num ambiente onde "o inferno são os outros" – as causas e circunstâncias extrínsecas, e os ditames da lei – que a limitam na sua liberdade. A mulher vive numa numa luta constante, condenada que está à "decisão", a um livre arbítrio que não pode ser condicionado pela moral exterior.


Subjaz ao "Sim" não apenas uma suposta preocupação "realista", um pretenso grau superior de humanidade que atende ao drama do seu próximo, ou uma alegada sensibilidade para solucionar as doenças sociais, da pobreza e da ignorância, mas, também, a assumpção de uma ética existencialista, pós-moderna, que coloca a vontade no eixo da decisão sobre a disponibilidade da vida e que, ao enaltecer que só a mulher deve poder eleger as suas atitudes, objectivos, e formas de vida, nega a possibilidade de existirem outras realidades e valores não conformáveis para lá da sua escolha.

Se tivermos alguma atenção, notamos que o "Sim", promove um "homem novo", que conhece na experimentação, que dilui as ideias de "bem" e "mal" para se isolar num limbo, sem raízes, onde seja condicionado apenas pela sua própria consciência. A sua decisão - seja ela qual for, tenha ela as motivações que tiver, até as mais mesquinhas - é inatacável; como um oráculo, a sua manifestação de vontade eleva-se a um patamar superior. A fórmula que acompanha o Referendo, este "homem novo" que habita boa parte dos países da Europa, está a corroer o mundo ocidental. Infelizmente, é vendido como um sinal de progresso e modernidade. Estaremos condenados a ter de pagar a factura?

Rodrigo Adão da Fonseca

[Estas ideias estão mais desenvolvidas aqui / As fotos são de uma representação de um teatro de marionetas em Bagan, Birmânia]

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