Liberdade Negativa V Poder

Nota prévia: Este texto causou as mais variadas reacções; penso que faz sentido desenvolvê-lo, aprofundando alguns conceitos que estavam apenas implícitos no post Liberdade de Expressão, Tolerância e Segurança. Assim, e desde já, esclareço que censuro em toda a linha a atitude assumida por muitos islamitas, porque sou liminarmente contra a violência e a intolerância; para que não haja dúvidas, não me confundo com os que se misturam no melting pot do multiculturalismo. Agora, pergunto: fora do mundo virtual ou mediático, todos os heróis da blogosfera e da imprensa, que têm subscrito textos emocionados, defensores da liberdade de expressão, do «sim ou sopas», estão disponíveis para enfrentar pessoalmente as consequências de um confronto directo com o Islão? Ao contrário dos EUA, que sabem bem que a liberdade tem um preço, e estão dispostos – como já demonstraram – a defendê-la (apesar de todos os erros que são sobejamente conhecidos), está a Europa preparada para acarretar com os custos associados a toda esta onda de afirmação da superioridade dos nossos valores? O post que se segue explica as noções de Poder e Liberdade implícitas no meu texto anterior e que suportam a minha posição.
Desde os anos sessenta que na Europa se concebe o Poder como algo institucionalizado, cuja fonte radica no consentimento ou no reconhecimento daqueles que o exercem (na linha de Hannah Arendt). Na nossa cultura recente, habituámo-nos a ver os valores como sendo conciliáveis entre si, pelas grelhas da tolerância e da liberdade negativa: o Ocidente - sobretudo a Europa - afastou-se das concepções tradicionais de Hobbes, Weber ou Dahl, fortemente criticadas nos últimos cinquenta anos por apenas apresentarem um mundo de preferências opostas, em tensão, onde os antagonismos se dirimem mediante predomínio de «uma» sobre a «outra». O Ocidente, nos limites da sua Civilização, tem conseguido compatibilizar os valores essenciais da liberdade e da tolerância, retirando uma boa parte do atrito que necessariamente se gera quando procuramos conciliá-los. Só que a forma como hoje encaramos as relações de Poder – como carecendo de consentimento e reconhecimento institucional, maxime império da lei, e consensual na salvaguarda de certos valores, os «nossos» (na linha de Hannah Arendt) – não é replicável no modo como interagimos com sociedades cujo estádio civilizacional é assumidamente próximo do estado-natureza hobbesiano (tendo sido isso que procurei explicar, com os meus exemplos, aqui). Ora, uma boa parte da blogosfera tem analisado toda esta questão seguindo o prisma de Giddens, partindo da ideia que nesta questão as visões e as concepções sobre a noção de «Poder» - e os valores que estão subjacentes a cada Civilização - são conciliáveis (só que não são, pois a teocracia em que vivem hoje diversos países de religião islâmica não subscrevem os valores estruturais do pensamento ocidental); outra parte, parece ignorar que a afirmação liminar da liberdade de expressão neste contexto pode ter um custo elevado (e digo isto porque tenho dúvidas que a maioria queira pessoalmente assumir esse encargo). Num mundo em que as relações de Poder com o mundo islâmico são, face ao gap civilizacional, regidas pelos conceitos de Hobbes, não basta querer ser livre, consentir nessa liberdade: é preciso Poder (no sentido tradicional) para o ser. Aqui fazem sentido as palavras de Weber, claramente inspirado em Hobbes: power «(...) is the probability that one actor within a (...) relationship will be in a position to carry out his own will despite resistance». A afirmação da nossa liberdade, neste quadro, tem um preço adicional. Que passa, também – e esperemos que não muito mais do que isso – por restringir conjunturalmente a nossa esfera de liberdade negativa (na linha do que afirma I. Berlin). Para salvaguarda da nossa Segurança e da Paz. Pois sem estes dois pilares, não há liberdade que possa ser efectivamente vivida. Rodrigo Adão da Fonseca

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