Sobre o perigoso caminho da discussão do "Utilitarismo"

O Bruno Gonçalves, o António Amaral e o Tiago Mendes têm mantido um intenso e (civilizado) diálogo a partir das recentes colunas de JPP no Público; não quis, assim, deixar de participar, chamando a atenção para um ou dois aspectos que podem ser úteis para esta discussão. Desde logo, importa relembrar aquela que é a preocupação central do pensamento liberal: seja fundado no Jusnaturalismo ou inspirado num certo Utilitarismo, defende que o indivíduo possui, pela sua própria natureza ou em busca da felicidade, uma esfera (intangível ou objectiva) de direitos, considerados fundamentais (v.g. direito à vida, à propriedade, à segurança). A salvaguarda destes direitos é tida como essencial para a afirmação individual. Assim, quando se afirma (na caixa de comentários do Bodegas) que, e cito, "(...) para haver ética, é preciso haver valores e princípios. Quem os rejeita, age sem ética fundamentada, age utilitariamente (...)", ou quando se diz, e cito, que "(...) o liberalismo não convive com o utilitarismo porque o liberalismo é um conjunto de ideias que exerce os seus efeitos diferidamente e a longo prazo (...) o utilitarismo, por outro lado, defende efeitos imediatos e é conducente ao estatismo, construtivismo, socialismo (..)", ignora-se:
  • que o utilitarismo tem uma expressão ética;
  • que existem vários utilitaristas, desde Bentham a Stuart Mill, cuja ética está fortemente enraizada em algumas das correntes do pensamento liberal clássico.
Admito que este erro - de menor importância - seja fruto de uma exposição excessiva a Hannah Arendt, uma das maiores críticas da marca utilitarista na ética liberal. Agora, o que é incontornável é que existe, no pensamento liberal, uma corrente de raiz utilitarista, o que não significa que não haja espaço - amplo - para que no plano liberal se construam correntes de base jusnaturalista; as tensões, neste plano, entre empiristas e metafísicos são, aliás, quase insanáveis. Recomendo, assim, a este título, o post do AAA e a sequência que se lhe segue, e que ajudam a enquadrar uma questão que aparece, no debate acima referido, apresentada um pouco a "preto e branco". Julgo também ser útil a minha contribuição para o debate acerca da - para mim pretensa - dicotomia "dogma" versus "praxis" (e que se desenrolou a partir das distintas leituras sobre o teor dos artigos de JPP); para tal, recupero algo que escrevi em Fevereiro, a reboque de uma rica troca de ideias com o AAA e com o ENP, e que penso volta aqui o ter seu interesse:
O homem, numa abordagem liberal, não é super, tem uma capacidade limitada; mas ele não é um ser passivo. Também não existe o "homem liberal" - ou "liberal praticante" - nem o "homem estatista" - ou "estatista praticante". Existem, sim, atitudes liberais e socialistas. Que têm subjacentes ideias. Por isso, mas do que o "quem", deve preocupar-nos o "quê". A força das ideias está precisamente na capacidade que têm de fazer alinhar os esforços individuais; um indivíduo - ou um conjunto de indivíduos - com ideias claras é capaz de antecipar a mudança e inovar. Significa isto ser um agente activo do processo social. Um indivíduo - ou um grupo de indivíduos - poderão não ser a alanvanca da mudança. Mas podem antecipá-la e influenciá-la. O grande desafio, hoje, por isso, está precisamente em saber eleger uma agenda liberal, em saber separar a teoria da prática; não submetendo a teoria à prática, nem vice-versa. Conhecer bem os conceitos centrais do liberalismo é um pressuposto essencial para, nos dias de hoje, poder perceber o mundo complexo em que vivemos; ajuda a trilhar caminhos, a "liberalizar". Todos os dias o mundo muda. É bom ter ideias - que nos ajudem a fazer as escolhas, acompanhando a mudança - no sentido que se julgue mais correcto. É esta a força - e o interesse prático - das ideias. Ajudar a encontrar as respostas num mundo complexo, marcado pela mudança.
Rodrigo Adão da Fonseca

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