Não é rico quem tem um milhão de euros, se não tiver onde os gastar

Caro Gabriel, Antes de tudo, tenho de felicitar-te pela foto. Dificilmente poderias ter encontrado uma melhor! Sobre o assunto dos cartoons, já escrevi quase tudo o que queria escrever. Mas tenho de fazer um reparo: quem te leia, fica com a ideia que eu sou a favor de restrições à liberdade por decreto, ou que estou disposto a viver de «cócaras». Quando se leres com atenção o que escrevo verás que não é isso que está em questão. O realismo, nas relações internacionais, não se assemelha ao pragmatismo, como tu o apresentas, mas baseia-se numa concepção de poder que não é utópica em relação a valores como, por exemplo, a liberdade. Podes recusar-te a aceitar - e escrever de uma forma panfletária - que a liberdade é um valor que só faz sentido quando exercido, e que para tal são necessárias condições extrínsecas. A liberdade é um valor intrínseco, não é algo que se concede; já a capacidade de exercício de direitos é sempre concedida e dependente das circunstâncias exteriores - conquista-se: é isso que significa a fórmula que tenho vindo a enunciar («não é livre quem quer, mas quem pode»). Todos os dias sofres restrições à tua liberdade bem mais violentas do que aquelas que resultam do «cocorar» dos nossos responsáveis políticos, e vives bem com isso, nem sequer te apercebes (há um efeito de «anestesia» na forma como a tua liberdade é limitada e condicionada). Podes dizer que não estás disposto a pagar o «preço» de andar de «cócoras»; só que já andas, e pagas esse preço todos os dias. Mesmo que estejas convencido do contrário e desfraldes nos teus escritos de uma forma apaixonada a defesa da liberdade . Os meus postes não eram sobre os cartoons; a partir deste fait divers escrevi sobre a dificuldade que os Europeus têm hoje em viver os seus valores (protegendo os pilares da sua civilização), em respirar um ar livre sem poluições provocadas por agentes exteriores, dada a sua falta de força, dadas as lacunas que fragilizam a sua esfera de Poder. Podes, como eu dizia a brincar, vestir a pele do «soldadinho de chumbo» em defesa do Reino da Dinamarca, que não vais ter mais liberdade por isso: expressas-te livremente, mas a tua esfera de liberdade vai sofrer danos colaterais elevados. Quando acabar este berreiro em redor dos cartoons e dos pobres dos dinamarqueses, vamos ficar todos mais vulneráveis, menos livres, porque não temos força para protegermos a nossa esfera civilizacional, prevalecendo a vontade dos nossos inimigos, dos que são inimigos da liberdade. Que saem de toda esta confusão mais fortes e unidos; enquanto nós ficamos mais divididos e mais fracos, reféns das nossas incongruências, inconstâncias e fragilidades. Eu quero poder viver em liberdade, tanto como tu; só que eu não me contento em dizer que a tenho; quero poder exercê-la na maior extensão possível (esta mania «economic liberal» de estar sempre a olhar para o «saldo»). Eventualmente, a minha noção de liberdade não se esgota na liberdade de expressão, prestando também atenção ao que são as liberdades básicas do dia-a-dia. Hoje, todas elas estão postas em causa. Porque estamos mais fracos. Com amizade, Rodrigo Adão da Fonseca Backround deste post: Choque de Civilizações Liberdade de Expressão, Tolerância e Segurança Liberdade Negativa V Poder

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